“Achatar a curva” foi uma das representações visuais mais comuns para explicar a evolução do COVID-19 em todo o mundo. Também refletia na resposta necessária para combater a propagação do vírus. Ao mesmo tempo que ajudava na prevenção do contágio, gráficos como este ignoraram um público muito importante: o de pessoas com deficiência visual.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cegueira e baixa visão afetam ao menos 2,2 bilhões de pessoas. No Brasil, são quase 7 milhões com algum tipo de deficiência visual, segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2019). Trata-se de um problema de saúde que deve se agravar com o envelhecimento da população e a exposição prolongada das telas.
Diante da expansão da cultura cada vez mais visual das notícias e redes sociais, é um público que desconhece o potencial da visualização de dados como ferramenta informativa, educativa e de compromisso público. Um único gráfico tem o impacto de comunicar mais rapidamente bases complexas de dados. Ao mesmo tempo, as pessoas com deficiência visual também estão mais vulneráveis à desinformação.
Nos últimos 30 anos, testemunhamos o aumento do interesse de pesquisadores sobre formas não-visuais de visualização graças ao avanço das tecnologias assistivas. Elas representam dispositivos que melhoram as habilidades funcionais de pessoas com deficiência. No caso de pessoas com cegueira e baixa visão, chamamos de tiflotecnologia (do grego, tiflos, que significa cego).
Os leitores de tela são as tecnologias assistivas mais populares para usuários com cegueira e baixa visão. São programas de inteligência artificial que fornecem uma voz sintetizada do que aparece na tela de computadores e dispositivos móveis. Embora funcionem bem para leitura de texto, não são tão eficazes para gráficos e imagens, pois dependem muito da conscientização de terceiros ao fornecer um texto descritivo.
Para ampliar a resposta sensorial, muitos pesquisadores de engenharia e de acessibilidade têm trabalhado com tecnologia háptica. Com isso, usuários com cegueira podem explorar visualizações e diferenciar linhas, pontos e texturas com a vibração do aparelho, tornando gráficos, símbolos, mapas e ilustrações mais acessíveis. A impressão 3D também permitiu construir visualizações táteis a qual se pode tocar e analisar gráficos em três dimensões.
Simultaneamente, outros sentidos foram ativados para reforçar a acessibilidade. Um exemplo está na sonificação, na qual a informação gráfica é convertida em efeitos sonoros. E, mais recentemente, está se utilizando o olfato. Pesquisadores da Universidade de Maryland desenvolveram um dispositivo chamado viScent capaz de emitir seis aromas diferentes ao mesmo tempo que o usuário interage com a visualização.
Apesar dos últimos avanços, a grande preocupação ainda continua sendo o acesso à tecnologia. Muitos desses dispositivos são caros e precisam de pessoas especializadas para criar determinados gráficos. As barreiras para a visualização de dados inclusiva são claras, mas dependem do diálogo interdisciplinar entre pesquisadores de diversas áreas.
A visualização de dados inclusiva é um avanço necessário que deve acompanhar a sociedade cada vez mais impactada pelos dados. A popularização dos smartphones também ajuda a criar soluções mais acessíveis usando padrões existentes (como WCAG e ARIA) e mesclar outras modalidades como áudio e toque para comunicar gráficos a pessoas com baixa visão.
Para o jornalismo a visualização de dados inclusiva também requer o uso de ferramentas funcionais para que jornalistas, designers e programadores possam aplicar acessibilidade a seus gráficos. Décadas de desenvolvimento da linguagem visual possibilitaram gráficos cada vez mais complexos e interativos e, consequentemente, mais inacessíveis. Acima de tudo, é essencial entender como esse público lê e interpreta dados. Não faz sentido desenvolver novos produtos e tecnologias que impedem ainda mais o acesso de pessoas com cegueira e baixa visão à informação visual.
Esse é um desafio fundamental quando se deseja criar comunicação não-visual em um contexto de desinformação. Embora possamos ouvir, tocar e até mesmo cheirar os dados, ainda existem alguns obstáculos à sua expansão que poderiam ser resolvidos construindo pontes entre comunicadores, designers, engenheiros e pesquisadores de acessibilidade. E esse futuro não está tão longe e os próximos passos serão extraordinários.
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